Sempre tive medo, muito medo, medo de tudo. Talvez por isso demorei tanto tempo para conseguir dormir sozinha. Talvez por isso levei anos para poder dormir no escuro.
Foi nesse belo dia que é o aniversário que resolvi explorar o aconchego do meu quarto, tão querido e pessoal, o qual eu nunca precisei partilhar em irmandade e no qual eu não conseguia antes pregar o olho. Só depois de muito tempo o reflexo da televisão se apagou para desaparecer para sempre dos meus apegos materiais e me impor a necessidade do breu noturno total.
E os anos se passaram e cada vez alimentei mais os meus impulsos solitários, talvez mesquinhos e egoístas, de passar tanto tempo só. Meus braços cresceram, minhas pernas alongaram e nenhuma sombra os meus ouvidos poderia subjugar. E aí veio a necessidade de me provar por mim mesma fora daquelas protegidas paredes.
Provavelmente nunca senti a emoção da solidão que as pessoas tanto se admiravam de minhas andanças; aquilo, no final das contas, era a mesma coisa do que eu e mais eu juntas dentro de um quarto, fosse num trem, num enxaimel, num estúdio. Eu era assim.
Mas verbetes se aprendem e chegou o dia que foi a vez de aprender o que é partilha, uma estranha companhia, que nunca pensei ser capaz de entender. Eu, que vagava pelo mundo, de repente me abri para um novo dentro de mim onde ter confiança no incerto era preciso. E assim o quarto do meu coração foi se povoando e eu fui ficando cada vez menos só.
Esse mundo comunal foi girando até cair de ponta cabeça e as batidas do meu coração se alinharem com o barulho da microfonia. E eu, tão orgulhosa da minha coragem e do meu desapego, me vi então no quarto, só, com medo de apagar a luz.