terça-feira, 19 de abril de 2011

Medo do Escuro

Sempre tive medo, muito medo, medo de tudo. Talvez por isso demorei tanto tempo para conseguir dormir sozinha. Talvez por isso levei anos para poder dormir no escuro.


Foi nesse belo dia que é o aniversário que resolvi explorar o aconchego do meu quarto, tão querido e pessoal, o qual eu nunca precisei partilhar em irmandade e no qual eu não conseguia antes pregar o olho. Só depois de muito tempo o reflexo da televisão se apagou para desaparecer para sempre dos meus apegos materiais e me impor a necessidade do breu noturno total.


E os anos se passaram e cada vez alimentei mais os meus impulsos solitários, talvez mesquinhos e egoístas, de passar tanto tempo só. Meus braços cresceram, minhas pernas alongaram e nenhuma sombra os meus ouvidos poderia subjugar. E aí veio a necessidade de me provar por mim mesma fora daquelas protegidas paredes.


Provavelmente nunca senti a emoção da solidão que as pessoas tanto se admiravam de minhas andanças; aquilo, no final das contas, era a mesma coisa do que eu e mais eu juntas dentro de um quarto, fosse num trem, num enxaimel, num estúdio. Eu era assim.


Mas verbetes se aprendem e chegou o dia que foi a vez de aprender o que é partilha, uma estranha companhia, que nunca pensei ser capaz de entender. Eu, que vagava pelo mundo, de repente me abri para um novo dentro de mim onde ter confiança no incerto era preciso. E assim o quarto do meu coração foi se povoando e eu fui ficando cada vez menos só.


Esse mundo comunal foi girando até cair de ponta cabeça e as batidas do meu coração se alinharem com o barulho da microfonia. E eu, tão orgulhosa da minha coragem e do meu desapego, me vi então no quarto, só, com medo de apagar a luz.

domingo, 17 de abril de 2011

Faz-se

As melhores histórias não são as nossas para contar e tudo começou numa lua como a de hoje.

Era uma noite cheia e os destinos eram vazios mas de uma forma inexplicável sentara-se alí e, ouvir, era inevitável. E foram papos de aço e fumaças que não se vêem e filmes para serem vistos e músicas para serem cantadas e contadas e um abrupto fim.

Um contingente sem gente da semana passada, um teclado de miados e uma companhia inevitável, uma escolha arriscada dentro das possibilidades que te cercam. Do outro lado a razão pulsava e sabia que não era nem de longe o ideal caminho a ser seguido, mas pulsava de felicidade por, mesmo assim, ter sido, e regozijava-se com o vislumbre daquilo que nem mesmo, no momento, aconteceu.

E desceu os degraus da praça e viu no asfalto nascer o sol de um novo dia e, de novo, o outro lado, seguindo o raciocínio lógico, jurou que aquele impulso era algo a não mais ser repetido; o que exatamente não fez na outra fase da lua.

E hoje, na virada de um ciclo, as coisas se repetem em pensamento e o vislumbre a tudo se remonta nas possibilidades daquela primeira luz, àquelas primeiras promessas de um plano. As melhores vidas não são as nossas para se querer, mas na próxima fase essa será a lua para chamar de minha.

sábado, 16 de abril de 2011

Eu digo

De tanto sonhar futuros que jamais realidade tornar-se-iam demorou a acreditar que, daquela vez, de fato aquilo estava fadado a acontecer. Imaginou os mais sensíveis detalhes, levou inclusive em consideração o gosto e a vontade de parentes e amigos. Era a festa.

E, enquanto planejava, escutou a mesma música repetidamente por centenas de vezes e, em todas elas, não pôde ignorar uma brisa sequer da madrugada de onde todas as pessoas solitárias vêm. E pela primeira vez foi totalmente natural. A janela estava embassada, mas ainda assim eram fortes as luzes.

De repente aquela telepatia tornou-se diária e, quase compassadamente, faziam-se os ruídos das palavras que iam e vinham nos risos e nos arrepios da falta de tempo que o cotidiano exerce sobre nossos ardores. E quase como um vício aquilo tornou-se absolutamente necessário, como se já não fosse normal nada daquilo ter. Até que o silêncio veio.

E o adeus só anunciava a saudação.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

A grama

Da beira da montanha sentia o ar que lhe faltava. Era mais uma daquelas bifurcações de estrada sem nenhum sorriso de gato para servir de guia. Lembrou das frases de alegria e dos momentos de agonia, mas nada era certo o bastante para chamar de sua. Decisão.


Momentos antes tinha beirado a loucura e pulado para a margem dos que enterram dores e amores. Mas ninguém chora a tristeza contida e ninguém ri a vida não sofrida, e trocou tudo o que tinha por aquele desespero.


As folhas já caíam de seus galhos como lágrimas que lutam em descer pelo rosto e o soluço dos ventos a jogaram onde seus pés doíam. E mesmo assim dançou, rodou por horas e mais horas até seu cabelo e o orvalho se unirem em um só.


Um sol.


Subiu por onde não deveria ir e pegou-se imaginando um futuro no qual era a boba, boba com o sorriso de orelha à orelha. E depois de todos aqueles dias que passaram, já lá de cima, do topo de tudo, pôde ver que a grama era, realmente, mais verde.